TAD quer "aumentar os índices de paz desportiva", mas tem processos "a mais"

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TAD quer "aumentar os índices de paz desportiva", mas tem processos "a mais"

José Mário Ferreira de Almeida, presidente do TAD
José Mário Ferreira de Almeida, presidente do TADTAD
A ambição do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) é que haja menos processos, garantiu o seu presidente em entrevista à Lusa, lamentando o aumento da conflitualidade existente, nomeadamente no futebol, que representa 80% dos casos entrados naquele tribunal.

“A ambição do TAD é que haja menos processos, isto é, que a atividade do tribunal contribua para que o nível do conflito desportivo diminua, não é que aumente. (…) O TAD não serve para se alimentar de processos. Nós somos uma parte passiva. (…) Os processos chegam ao TAD porque alguém sente ofendidos os seus direitos. E isso é muito importante que se sublinhe. Não há aqui um mercado de processos que é disputado pelo TAD em concorrência com outros, como os tribunais”, começou por clarificar.

José Mário Ferreira de Almeida considera que o TAD tem “processos a mais”, no sentido que não tem sido “inteiramente” bem-sucedido no objetivo de “aumentar os índices de paz desportiva”.

“Todos os anos aumenta o número de processos entrados no TAD”, salientou, notando que alguns incidem sobre questões que “não têm relevo no domínio daquilo que é importante”.

Os dados facultados pelo TAD à Lusa denotam um aumento exponencial dos processos desde 2015: se no primeiro ano, houve apenas seis processos apreciados, desde 2022 os mesmos ultrapassaram os três dígitos, com 120 em 2022 e 125 no ano passado – o número não foi superior devido à Lei da Amnistia, criada no âmbito da realização da Jornada Mundial da Juventude e da visita do Papa Francisco a Portugal.

Assim, o exercício de 2023 ficou marcado por um crescimento em 4,2% do número de processos arbitrais entrados relativamente ao ano anterior, disparando a percentagem quando comparado com 2021 (mais 40,4%) e 2020 (52,4%).

O aumento de processos está, essencialmente, ligado ao futebol, responsável por 80% dos processos analisados por esta instância.

“O futebol é o exemplo de uma modalidade onde, de facto, o conflito é permanente e, portanto, se espreitarmos para aquilo que é natureza de alguns dos processos litigiosos que, em primeira instância, são avaliados na jurisdição arbitral do TAD, encontramos processos a propósito de multas de 1.000 euros, 1.500 euros, 1.700 euros, coisas desse género, ou de suspensões de dirigentes desportivos que, estando no banco ou não estando no banco, porventura não alteram nada aquilo que está em causa, que é a disputa ou é a competição”, detalhou.

José Mário Ferreira de Almeida estima, ainda assim, que esta preponderância do futebol deve ser encarada “com naturalidade”.

“Estranharia que assim não fosse, dada a importância social, económica, além de desportiva, do futebol. Acharia estranho que a expressão dessa importância, também, não se fizesse sentir ao nível dos processos, ainda por cima numa competição, que todos sabemos, é muito propícia ao conflito”, completou.

No entanto, o presidente do TAD defende “que alguma coisa tem que ser feita, ao nível da justiça interna das federações e das associações, no sentido de diminuir o nível de conflitualidade existente”.

“Que seja a montante, numa regulamentação que dê menos origem a esses conflitos, seja ao nível do funcionamento dos órgãos de justiça interna das federações, sendo certo que não é o presidente do TAD que fará alguma vez uma crítica ao funcionamento, à atividade, ou aos resultados desses órgãos, aliás genericamente integrados por gente muito competente e especializada”, sublinhou.

Para Ferreira de Almeida, “há litígios a mais”, que “podiam ser perfeitamente resolvidos ao nível da justiça interna das entidades desportivas”.

"Ajustamentos" na lei 

O presidente do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) refutou as críticas quanto à morosidade na resolução dos processos, mas assumiu que a lei pode ser aperfeiçoada para que as providências cautelares sejam decididas por aquela instância.

“O TAD tem prazos de resolução dos casos que lhe chegam que são ímpares, se comparados com os prazos designadamente da justiça administrativa, ou da justiça em geral. Nós andamos com prazos (…) bem inferiores a 300 dias e este número não tem paralelo”, afirmou.

Em entrevista à agência Lusa, José Mário Ferreira de Almeida defendeu que “o TAD tem servido para as encomendas”, apesar do crescimento do número de processos arbitrais entrados e de, para além do secretário-geral José Manuel Lopes Costa, ter apenas “uma funcionária a tempo inteiro e uma funcionária a meio tempo”, o que o torna “numa instituição singular quase a nível planetário”.

“Há, apesar de tudo, alguns ajustamentos (a fazer) na lei (…) para que, por exemplo, as providências cautelares possam ser decididas no TAD. A jurisdição para conhecer providências cautelares, diz a lei, é exclusiva do TAD, mas, como é público, muitas vezes não é. Muitas vezes, por dificuldade de constituição dos colégios arbitrários em tempo útil, há a necessidade de recorrer à válvula de escape, que é remeter (…) estes processos para o Tribunal Central Administrativo do Sul, mais concretamente para o seu presidente, que tem esta competência em substituição do TAD”, evidenciou.

O advogado recordou que “a primeira versão da lei do TAD previa justamente” que os casos da natureza desportiva fossem julgados exclusivamente por este tribunal, podendo, depois, recorrer-se ao “Tribunal Constitucional, ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, consoante as situações que permitissem a abertura dessas outras portas”.

“Essa arquitetura inicial do TAD não passou pelo crivo do Tribunal Constitucional, que considerou que a inexistência de um recurso para a jurisdição administrativa era inconstitucional. (…) E devo dizer que o Tribunal Constitucional nessa matéria está certo. O que poderá haver é, lá está, a introdução de aperfeiçoamentos no sistema de recursos, de forma a que a lei cumpra aquilo que é o seu desiderato, uma justiça célere, uma justiça eficiente”, argumentou.

No entanto, para Ferreira de Almeida, “mais importante do que as intenções do julgador nesta matéria são as intenções das partes”.

“A lei do TAD tem uma forma de as partes, sem diminuição de garantias, poderem prescindir do recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul, ou daí para o Supremo Tribunal Administrativo. Como? Através do acionamento de um mecanismo de recurso interno (…) chamado Câmara de Recurso, em que as partes podem recorrer se não se sentirem confortáveis com a decisão tomada em primeira instância, sendo que o recurso para a Câmara de Recurso significa afastar os tribunais administrativos. Curiosamente, mesmo aqueles que se queixam da morosidade do sistema de recursos, nunca lançaram mão deste meio que têm à sua disposição. Mais célere, mais eficaz, mais barato”, alertou.

Assim, “o problema, se calhar, não está na lei, está na mentalidade conflituante das partes”, defendeu, até porque este tribunal tem também uma função de mediação, que “podia ser um meio de resolução alternativa à própria arbitragem, adequada para algum tipo de conflitos, se as partes estivessem abertas a isso”.

“Infelizmente, as partes também não têm recorrido à mediação. Preferem o conflito puro e duro. (…) E, portanto, essa preferência, depois acarreta consigo aquilo que estávamos a falar, o sistema de recursos, e uma sensação de que o TAD é peça central de um sistema que prolonga indefinidamente o tempo de resolução definitiva do litígio”, sustentou.