Reportagem: Estádios em Marrocos utilizados como espaço de protesto

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Reportagem: Estádios em Marrocos utilizados como espaço de protesto

No Magrebe, o apoio aos palestinianos é sobretudo gritado nos estádios.
No Magrebe, o apoio aos palestinianos é sobretudo gritado nos estádios.FETHI BELAID/AFP
"Oh Palestina amada, resiste!": no Magrebe, a solidariedade com os palestinianos é particularmente evidente nos estádios de futebol desde o início da guerra na Faixa de Gaza, que se tornaram um dos poucos lugares onde os jovens podem exprimir as suas frustrações.

Desemprego, desigualdade ou corrupção: os ultras estão habituados a entoar cânticos que desapareceram das ruas desde que uma onda de repressão varreu os movimentos de protesto no âmbito da primavera Árabe, segundo as organizações de defesa dos direitos humanos.

Entre os cartazes que pedem mais liberdade, encontram-se bandeiras palestinianas, omnipresentes desde o início da guerra entre Israel e o Hamas em Gaza.

Desde 8 de outubro, um dia após o ataque sem precedentes do movimento islamita palestiniano em solo israelita, que desencadeou uma ofensiva militar israelita em grande escala, ouve-se no estádio Mohammed V de Casablanca uma canção pró-palestiniana, entoada pelos ultras de um dos principais clubes da capital económica marroquina.

"Oh, querida Palestina, onde estão os árabes? Estão a dormir. Oh, tu que és o país mais belo, resiste", cantaram os ultras do Raja Casablanca. O cântico foi amplamente ecoado em todo o mundo árabe.

Em novembro, em Argel, houve um tifo num estádio que representava um palestiniano mascarado com a mensagem: "Sacrifico-me por ti, terra de revolucionários".

"A questão palestiniana une toda a gente", diz Abderrahim Burkia, sociólogo marroquino e autor do livro Ultras in the City: "As ultras tomam geralmente o partido dos oprimidos. Para eles, é normal cantar a favor da Palestina", afirma.

O "dever"

Na Argélia, na Tunísia e em Marrocos, é frequente verem-se cartazes alusivos ao que se passa em Gaza. "Vingaremos as crianças (palestinianas)", lê-se numa delas.

Para Seif*, membro de um grupo tunisino Espérance ultra, a causa palestiniana é um dos temas que os adeptos "partilham", tal como a "corrupção no desporto" e a procura de liberdade.

"Transmitir uma mensagem é o mínimo que podemos fazer", considera Ali*, outro ultra da Espérance: "Não defender as pessoas que nos são mais próximas, os nossos irmãos, é a coisa certa a fazer. A causa palestiniana não é uma moda, é um dever".

Os ultras interrogados pela AFP indicam que se sentem mais à vontade nas bancadas do que noutros locais para exprimir as suas opiniões políticas.

"O estádio é o único sítio" onde as emoções podem ser "toleradas", diz Burkia.

Em Marrocos, houve manifestações pró-palestinianas que denunciaram os "massacres" em Gaza e a normalização das relações entre Marrocos e Israel. Estas manifestações são, no entanto, controladas de perto pelas forças da ordem, como noutras partes da região.

Hamza*, um ultra do Wydad, considera que se o seu grupo organizasse uma marcha pró-palestiniana, "as autoridades impediriam a sua realização desde o primeiro momento".

"É muito mais fácil dizê-lo num estádio", onde "o efeito de estar num grande grupo" permite uma maior margem de manobra, acrescenta o estudante de comunicação de 21 anos.

Segundo Burkia, os jovens, que muitas vezes se sentem marginalizados, "parecem ter encontrado nas ultras um porta-voz, um canal de liberdade de expressão e a oportunidade de treinar e integrar um trabalho coletivo empenhado".

"Não fazemos política, mas a verdade aparece sempre nos estádios (...) É a voz dos bairros populares", disse à AFP Abdelhamid*, um ultras de Mouloudia, em Argel.

Os ultras "querem mostrar que agem, que não são apenas um grupo de adeptos selvagens, que também têm uma opinião", analisa o sociólogo tunisino Mohamed Jouili.

Tal como os outros ultras com quem a AFP falou, Hamza*, em Casablanca, recusa ser considerado um hooligan e lamenta que as autoridades imponham por vezes penas que podem ir até à prisão para, na sua opinião, "acalmar" um grupo.

Nos últimos anos, registaram-se distúrbios entre ultras durante os jogos, o que levou a sanções para os clubes.

"Colocar tanta pressão sobre esta população, que apenas se quer exprimir, não é a solução correcta. Isso motiva-me ainda mais", afirma. "Não deixaremos de gritar o que quisermos gritar, não deixaremos de cantar por eles (os palestinianos)", afirma.

NOTA: os nomes acompanhados por * foram alterados em relação aos verdadeiros.